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segunda-feira, 15 de março de 2010

Pontes partidas


O mundo sempre pareceu-lhe colorido demais, naquele momento a própria escuridão noturna era para ele luminosa, tinha a impressão de que as estrelas caíram do céu para brincar pelas ruas e avenidas da calma e quente Califórnia.
Sentiu braços macios e delicados o apertar em um abraço pela cintura, virou-se para encarar sua namorada, com olhos azuis indagadores, ela sempre parecia cismar que ele escondia seus pensamentos mais profundos. Bem, ela estava certa.

Mas não há como mudar a essência de um espiríto em fuga.

E ele fugia. Sempre parecia estar querendo escapar de alguma coisa, tinha a sensação que aonde quer que fosse, sempre haverá algo ou alguém atrás dele, pronto para aprisioná-lo. Como poderia dividir esses pensamentos com alguém? Certamente lhe chamariam de louco ou desconfiariam de uso de drogas de sua parte.
- Você está com aquele olhar profundo de novo, Drew - acusou Lily
- Bobagem. Estava aqui tentando entender porque as estrelas sumiram essa noite.
Mas os olhos maquiados de Lily se apertaram, ele nunca conseguia enganá-la.
- Não gosto desse olhar, parece que vou cair no seu abismo se ficar olhando-o por mais tempo.
- Então não olhe - disse ele, beijando-a intensamente. Durante alguns minutos, limitaram-se a abraços e beijos.
Contudo, já estava tarde e tinham que ir embora. Festas em prédios abandonados eram legais, mas só enquanto a polícia não descobrisse.
Caminharam em silêncio até o carro dela, antes entrar, porém, Lily olhou em seus olhos novamente e sua expressão estava triste
- Não posso não olhar Drew, porque ainda que o seus olhos pareçam abrigar o mar, seu amor por mim está aí em algum lugar, e eu nunca vou desistir de encontrá-lo.

Ele não respondeu. Queria poder dizer-lhe que a amava, entretando, durante aqueles dois meses juntos, essas palavras de afeição teimavam em enroscar-lhe na garganta. Ao invés de dizer algo, passou os dedos nos cabelos castanhos de Lilian, deu-lhe um beijo na testa e com uma piscadinha, caminhou em direção à sua moto.
Foi embora sem olhar para trás, fugindo daqueles olhos que teimavam em decifra-lo, fugindo daquela garota que o fazia querer ficar para sempre com ela.

E principalmente, fugia do desejo de não mais querer fugir.

Seus pais estavam acordados quando chegou em casa, o que era incomum para um dia de domingo. Sua mãe tinha no rosto uma expressão de quem tentava manter a calma. Seu pai passou o braço ao redor de seus ombros e disse:
- Venha moleque, temos que conversar.
Como ex-tenente do exército, seu pai tinha modos bruscos e uma maneira rigida de lidar com ele, era algo que não lhe fazia a menor diferença, pouco se importa de levar bronca ou uns cascudos. Era seguro de tudo o que fazia, e arrependimento era um sentimento pouco conhecido por ele.
- Você foi convocado pelo exército para cuidar da sede da ONU no Iraque. - Disse o pai de supetão quando chegaram na cozinha.
Uma onda gelada percorreu todo o seu corpo, quis pensar que era uma onda de adrenalina e não o puro terror que pareceu decidir montar acampamento dentro dele.
- Quando? - Foi apenas o que conseguiu dizer.
- Amanhã partem. Arrume suas coisas. Boa sorte.

Sua mãe quis fazer um lanche para ele, ele não aceitou. Quis ajudá-lo com a mala, ele não aceitou. Quis confortá-lo, ele também não aceitou.
- Me deixe fazer algo por você, meu filho. Não sei quando nos veremos de novo. - Suplicou ela.
Ele a abraçou comedidamente.
- Ei baixinha, você já fez muito por mim, me ensinou a andar, a distinguir o certo do errado e a amar. Agora é por minha aconta.
Ela o olhou longamente, como se o estivesse vendo pela primeira vez. O abraçou como se nunca mais fosse abraçá-lo de novo. E deixou o quarto a passos largos, como se nunca mais pretendesse entrar nele outra vez.

Andrew olhou ao redor, pegou seu saco do exécito e começou a arrumar suas coisas. Não podia levar muito, mas de qualquer forma, quando se caminha para morte não, não há muitas coisas que sejam realmente importantes. Meia duzia de cuecas, quatro camisetas brancas, quatro calças camufladas, meias, escova de dentes e uma foto.
Fechou seu saco, tomando o cuidade de deixar de fora seus sonhos, seus medos e suas lembranças. Preferiu organizar estes em uma pequena caixa que também continha uma foto. Endereçou-a a Lily, pensando no que ela lhe diria se ele fosse se despedir, provavelmente que não poderia ir a guerra sem esperança e amor. Bem, o segundo ele realmente não conseguia tirar de dentro dele, nem ao menos para dize-lo.
Porém, esperança, de que? De vencer uma guerra para que pudessem arrumar outra? De matar o suficiente para poder viver?

Para aquele jovem, não existia esperança numa guerra. Apenas o desespero, visto nos soldados que agarravam suas armas como se assim pudessem agarrar as próprias vidas.
Deitou-se na cama, logo seria dia de novo. Tratou de fechar os olhos, selando dentro dele o pavor, a sensação de perigo eminente, e sua vontade de fugir. Tudo pelo qual ele era capaz de lutar.

E lutou, mas de maneira nenhuma a guerra foi dentro dele.

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