Frio, trevas, não-vida e um laço.

Me faz lembrar que um dia a morte falou:
"Eu não carrego gadanha nem foice.
Só uso um manto preto com capuz quando faz frio.
Eu não tenho aquelas feições de caveira que vocês
parecem gostar de me atribuir à distância.
Quer saber a minha verdadeira aparencia?
Eu ajudo. Procure um espelho enquanto eu continuo."
(A menina que roubava livros)
A verdade é que somos todos assassinos. Nem todos de almas, é claro. Mas sempre matamos o que precisa existir. Começando pela confiança, essa é a que mais morre.
Os seres humanos vivem buscando-na, tanto em si mesmo quanto nos outros, pena que poucos sabem que já a possuem, e os que sabem matam-na sempre que precisam tomar uma decisão por si só. Se a Confiança falasse, certamente questionaria o medo de arriscar conscientemente. Afinal, tudo o que fazemos é um risco, só não temos consciência disso o tempo todo.
O Próximo da lista é a Paz. Não há muito o que dizer sobre ela, alguns acham que não nasce mais, outros pensam que se escondeu para não ser esbofeteada até a morte. A maioria nunca ouviu falar.
A Fé vem logo atrás. Causa da morte: cancêr.
É evidente que não matamos a fé porque queremos, vai morrendo aos poucos sem que nos demos conta. Uma palavra ali, o tumor surge. Uma raiva aqui, ele se espalha. Uma decepção, estado terminal. Pip. piiii...
E então, a Esperança. Não a matamos de fato, mas a deixamos morrer.
Talvez ao pularmos no mar, esquecemos de tirá-la de lá, ou a deixamos cair no ralo enquanto tomamos banho.
Houve um homem que sentou-se ao lado dela numa praça, seu celular tocou e ele saiu correndo, deixando-a sozinha. A esperança não correu atrás dele, ficou esperando-o voltar, naquela praça, naquele banco. Ele não teve tempo de ir lá. Alguém a viu.
Por ultimo, o Amor. O que? Pensaram que a esperança é a ultima que morre? Quem disse isso estava vivo.
O Amor nasce e morre conosco. É verdade que as vezes ele se esconde, pensamos que nos abandonou, mas é bobagem. Ele gosta de brincar, o amor nunca vira adulto. Porém, como toda criança, nunca abandona seus pais e depende deles para existir.
Não é à toa que dizem que somos eternos amantes. Só deixamos de amar quando deixamos de viver. Porque, ao menos, amamos à vida até o ultimo momento.
Há quem diga que a odeia e prefere morrer. Entretando, apenas os que nada disseram a trocaram pela morte.
Não pensem que esqueci da Felicidade. Porém, o fato mais curioso e engraçado, é que a felicidade é imortal. Ela pode mudar e tingir-se, é quando a chamamos de tristeza. As vezes nós mesmos somos responsáveis por sua transformação. Mas, ao contrário de tudo o que é para sempre, a felicidade não é imutável. Por isso, constantemente reassume a sua forma original. Aquela que nos faz sorrir e desejar que nossos assassinatos sejam mentiras. Aquela que nos mostra que podemos dar vida ao que matamos. E damos.
Só para matá-las de novo.
Aposto que se pudessem gritar, os mortos diriam: Aproveite enquanto tudo pode reviver. Aproveite enquanto não é para nunca mais.